Já perto do cimo do monte avistámos à distância uma povoação
com muitas casas do mesmo estilo, dispostas em círculo, como uma espécie de
observatório astronómico e, no meio delas, erguia-se uma torre também circular e um
palácio.
No cimo da torre
via-se um grupo de pessoas, cada uma com um saco ao ombro com todos os seus haveres. Creio que esperavam por uma nuvem
que se aproximava. Então ergueram uma escada para subirem para ela. A nuvem,
admitindo que adivinhou o desejo delas, transportá-los-ia seguindo o caminho do sol
e do vento, ou quereriam elas que as levasse para a eternidade, ou teriam apenas um
sonho de viajar nas nuvens. As velas acesas na torre iluminariam a viagem ou serviriam
apenas para manter vivo um sonho, uma fantasia, de viajar não se sabe ao certo para
onde.
Entrámos na povoação
para a visitar. As casas, construídas em pedra de xisto, tinham as paredes arredondadas, e os tectos a forma de cone
como as chaminés dos vulcões extintos que se encontravam à sua volta. As casas, a
torre, o palácio e o meio circundante harmonizavam-se. As pessoas respeitavam a
natureza e gostavam de viver ali. Impressionou-me a cor das pedras das casas: um azul
claro semelhante ao azul do céu limpo. Lembrei-me de ouvir dizer a um sábio que em
tempos muito recuados o tecto de qualquer homem era o céu em qualquer lugar onde
estivesse. Só depois construiu as casas de pedra, os castelos e os palácios.
Perdeu a liberdade de viajar. Ter-se-á arrependido.
No cimo, os tectos das casas tinham uma
faixa circular de cor branca. O mesmo sucedia na primavera aos montes quando tinham nuvens
ou neve nos cumes. O cimo dos tectos seria construído em pedra branca, estaria
pintado de branco ou seria uma nuvem que ali adormeceu ou ali quis apenas repousar.
À volta das casas
havia plantas e ervas aromáticas floridas e ao longe viam-se campos cobertos de trigo e de centeio. As diversas cores e formas
das flores levavam-me a supor que havia um concurso de beleza entre elas ou um concurso
para atraírem os insectos mais simpáticos. Miraculosamente iam mudando os matizes das
cores, conforme a espécie dos insectos que se aproximavam. Parecia que existia
uma especial estima entre as flores e os insectos que as visitavam, traduzida numa
admirável delicadeza recíproca.
Algumas daquelas
plantas trepavam pelas paredes das casas e davam flores elegantes que caíam no chão das ruas, formando tapetes perfumados.
Talvez quisessem agradar aos habitantes para não as cortarem ou procederiam assim
desinteressadamente.
Das ervas aromáticas
faziam-se chás, simples ou com diversas ervas misturadas. Elas curavam ou supunha-se que curavam algumas doenças das
pessoas, ou aliviavam as suas dores e davam-lhe boa aparência física e bom estado
de espírito.
Alguns habitantes
vestiam trajes típicos, de tecido fino de cor clara, sobretudo branco, bordados com fio vermelho ou cor-de-rosa, e usavam
chapéus com a forma das cúpulas das casas, e eram altos, elegantes, simpáticos, e
pareciam felizes. Estes trajes usavam-nos especialmente aos domingos ou em dias de festa.
Entrámos numa casa a
convite dos seus habitantes. O chão era feito de barro batido, de cor viva, dividido em rectângulos com divisórias
de madeira. Para dar maior consistência ao barro misturavam-lhe palha de centeio. A
casa tinha uma divisória ao meio, em
madeira. Uma parte servia de cozinha e de sala e a outra, com
duas divisórias, para dormitório. A luz do sol entrava sobretudo pela
abertura do tecto. A luz suave e abundante dava-me uma especial satisfação e afastava as
minhas preocupações. Gostaria de viver ali. A temperatura no interior era
agradável: o ar entrava pelo postigo da porta e saía pela chaminé, renovando-se
constantemente. Na divisória da cozinha viam-se umas pedras no chão onde se acendia o lume
para cozinhar, buracos nas paredes, que serviam para guardar diversas coisas, um
escano, um armário com cantareira, várias talhas de barro e uma tulha para guardar
o cereal.
Ofereceram-nos para
comer pão e queijo de ovelha curado e para beber uma cântara de água. O Botelho, depois de muito gabar a comida,
bebeu da água da cântara.
Não demorou a ficar
enjoado, com a cara vermelha, mais magro e alto e o nariz comprido. Dizia que ouvia pessoas a falar, sem que
elas estivessem presentes. Seguiram-se dores pelo corpo todo.
A mulher explicou que
ele bebeu não água mas um xarope destinado a impedir o sangramento excessivo das mulheres depois do parto. Era um
xarope leve quando o fez, mas com o passar do tempo parte da água sumiu-se e
tornou-se mais forte. Tinha-o guardado num buraco da parede, foi verificar o seu estado e
por descuido deixou-o em cima da mesa das refeições.
Não quis dizer quais
os ingredientes que usava para o fazer. Por acaso vi num buraco da parede uma malga com cravagem de centeio, também
conhecida pelo nome cornelhos, e fiquei convencido de que os utilizava para
fabricar aquele xarope.
Entretanto
agravaram-se as dores. A mulher foi ao armário buscar outro xarope, este feito pelos monges da Cigadonha, para acalmar as dores. O
Botelho bebeu dois ou três goles dele e sem grandes demoras tornou-se muito
bem-disposto.
Surpreendentemente
este xarope entrou em guerra com os seus intestinos e por isso saiu rapidamente de casa, saltou por cima dos muros, em
direcção a um bosque.
Mais tarde soubemos
que os donos da casa para a qual nos convidaram a entrar e a comer eram familiares dos salteadores que nós procurávamos.
Ter-nos-ão dado o xarope para nos impedir de prosseguirmos a nossa viagem.
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