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dia-a-dia: manhã cedo |
Os dias grandes são assim, preenchidos. Ontem, não sei se do vinho fino se da primavera que aí vem, prescindi de parte dos prerrequisitos de sobrevivência em meio gelado e dormi regalado. De manhã (e ao longo do dia), percebi facilmente, ao tirar peças de roupa sucessivas, que a primavera chegou. Não chegou foi às amendoeiras. A única verdadeiramente florida de Martim Tirado tinha em cima todas as abelhas da aldeia, cada uma delas requerendo para si a atenção da árvore.
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a única amendoeira florida de Trás-os-Montes |
Tinha a manhã cheia de compromissos. Chegaram comigo os pedreiros, para começar os muros de baixo, e o carpinteiro, para fechar o outão. A meio da manhã chegava o senhor do pladur, para assinarmos contrato e discutirmos pormenores. Tanto o compromisso que gastei meia caixa de fósforos e uma manhã inteira para perceber que os meus talentos de pirómano ainda estão por provar. Isso e a verdura dos ramos da roseira.
Enquanto a piromania ia e vinha, na obra o carpinteiro fechava o outão. A ideia dos casqueiros veio dum cardanho nas primeiras casas de quem entra em Martim Tirado, em que uma das paredes tinha em lugar de pedra, casqueiros, largos. Meses depois, chegou o dia de botar em obra. O carpinteiro já os trazia cortados, bastando apenas cortar as pontas com o ângulo e a medida certa. Trouxe também uma cantoneirazinha para que a base dos casqueiros ficasse distanciada da caleira, e porcas para distanciá-los verticalmente da chapa. Para que a água não fique parada entre a madeira e a chapa, sinónimo prematuro de apodrecimento da madeira. Tudo pormenores falados nos últimos meses e ultimado por telefone na última semana. Colocados os primeiros, surgiu outra questão: a espessura média dos casqueiros era de cinco centímetros, uns cinco centímetros abaixo dos dez centímetros prometidos. Ficou o compromisso de cortar os casqueiros um centímetro mais baixos, e colocar sobre estes uma régua que suportasse o beiral. Que foi colocada depois do almoço. Prueba superada. Ficou bonito, e eu fiquei com vontade de o mostrar a todos.
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segunda tentativa: o parafuso entra por fora |
Já com os pedreiros não foi tão fácil. Falei-lhes da minha vontade de fazer uma passagem entre o muro e a casa. Passado algum tempo encontraram uma boa laje (uma das ombreiras da porta original) do outro lado do terreno. Rogaram pragas que era muito longe e tal mas logo surgiu a solução - arrastar a pedra usando o camião como reboque. Como ombreira reutilizaram outra pedra, mais alta do que o muro. Um expediente que os antigos usavam muito. Quanto ao muro em si, tratava-se duma reconstrução / arranjo do muro existente. Expliquei-lhes que se queria uma alvenaria mais tosca que a das paredes das casa, e que o topo tinha de ser capeado (palavra do senhor António) com pedra que cobrisse toda a largura do muro, como era tradicional. A coisa está a compor-se.
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o muro, ainda no início |
Com o outão acabado e o muro encaminhado, tratei de preparar mais uma ida ao pinhal. Já sem as mariquices do gps. Primeiro arranjei umas varas compridas e direitas que se vissem ao longe e pintei-lhes a base com spray vermelho. Cheguei-me à Clementina e perguntei-lhes qual o passo seguinte. Que me iam ver dum ferro, mas que o lado a enterrar era o outro. Burro. Pintei o lado certo das varas, afiei as bases com a machada e enfiei-me monte adentro, com as varas e o ferro do Amílcar.
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como não marcar um pinhal |
E lá andei. Onde o marco era claro enterrei uma vara, onde devia estar um marco e sobravam pedras soltas reinventei um marco. Para a semana verifico tudo com o tio Silvério, mestre nestas serranias. Seguindo o exemplo do Amílcar fui abrindo alas entre os marcos, de modo a abrir o ângulo de visão entre eles, arrancando estevas e pinheiros malformados. O resultado computa. Em março entra a motosserra.