Trigésimo segundo dia - de volta

dia-a-dia: a obra, antes do sol subir

Cheguei à obra, pela primeira vez, exatamente às sete da manhã. Tive o azar de escolher o dia em que os homens chegaram mais tarde - a retro às oito e meia, o Paulo, o Hugo e o sô António pouco depois. Não por culpa deles mas por mais uma falta de comunicação, que me passou ao lado.

 Enquanto os homens não chegavam fui preparando mais um varejamento, desta vez nas três amendoeiras da horta, que me tinham escapado do outro dia. Os homens chegaram e deixei o fardo no chão, preparado para começar. Nas atividades do dia contavam-se descarregar as pedras do Poio e colocar soleiras, ombreiras e toiças no sítio. Para isso servia a máquina. Falei com os homens se estava tudo certo e distraí-me com algo, não sei bem o quê. Quando voltei para junto deles já as soleiras e uma ombreira estavam colocadas. Alçava-se a cinta para agarrar a segunda ombreira quando, como que por premonição, me lembrei de verificar a conformidade da ombreira. Não sei se em puro terror se extasiado por ter previsto o momento, descobri que a ombreira vinha com defeito. Depois de duas portas e quatro janelas colocadas, depois de mês e meio à espera das pedras para a última porta, e eis que a penúltima pedra a colocar vinha com defeito. Não com o defeito do costume de as medidas feitas não com a serra mas com o escopro não serem de fiar, mas o defeito de a ombreira não trazer o degrau pedido, que facilitava o encaixe da porta, à moda antiga. Altercação, contestação, eu a ver a minha vida a andar para trás. Não queria parar de novo a obra mandando a pedra de volta e também não queria uma porta imperfeita. Já chegávamos a uma solução, em que se colocava a pedra como se esta não tivesse o defeito, era apenas preciso fazer crescer a soleira com uma pedra extra, os homens até já sabiam como, mas depois a toiça não encaixava, quando a solução perfeita surgiu: serrava-se a soleira e fazia-se uma ombreira sem degrau. Os homens perceberam e logo apontaram para o antigo galinheiro, é isso, é isso, explicava-me o Hugo, é com dobradiças, e eu espantado em ver que fazia mais sentido para eles do que para mim. O Paulo arranjou a serra, cortou-se o pedaço de soleira a mais e lá se fechou a porta. Não ficou como no desenho, mas também o desenho que se lixe. Venha a viga-lintel e o telhado.

o grande-mestre da precisão em ação

ora digam lá quem é que percebe disto

esta já não cai

como no tempo dos megalitos

já só faltam os candeeiros e as mesinhas

Seguiu-se o menir, deitado abaixo pelo ímpeto demolidor do ramalhete no dia da demolição. Nada de muito complicado. Por último, os caboucos para o esgoto, ligando as casas de banho a caixas de serviço e destas à fossa. Arrancaram-se mais umas árvores, no caminho da fossa, e cada vez mais me vejo a plantar aveleiras (avelaneiras, segundo o Ramalhete) no seu lugar, já que os olmos estão condenados.

a obra ao meio-dia

Testei também as lajetas vindas do Poio no topo das paredes.

lajetas ao topo

Mal a manhã começou passei por Freixo à procura de uma chave perdida e para uma conversa com o empreiteiro, para acertar contas anteriores. Passei pelo Marelo, serralheiro mecânico, para saber das vigas, e pelo Carapuça, para saber das madeiras. O que ele me mostrou deixou-me de sorriso aberto o resto do dia: um pedaço de teto! Uma amostra com caibros, cúmio e forro. O forro foi feito por ele a meu pedido, a partir de serração de caibros. Uma beleza de se ver. Falta, no entanto, o verniz, que o Bruno me garantiu ser invisível. É ver se é. Ou não ver. Ou é. Ai.

isto é um teto

Até às três e pico acabei de varejar as amendoeiras e ainda apanhei uvas da parreira da horta. Continuo a não gostar dela, as uvas não são boas, mas estavam maduradas e deixar estragar é pecado. A Clementina ajudou-me no varejamento, e quando lhe falei de cortar umas silvas à volta da última amendoeira trouxe-me um clabouco clagouça para o fazer. A ponta parece a ponta do podão mas mais pequena, e está na ponta de um pau comprido. Muito prático. Tenho de arranjar um.

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