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Centésimo dia - vacina

Depois de muito avisado e outras vezes esquecido, comecei a manhã a convencer a Fidalga a vir comigo até à fonte, para as vacinas. Convencê-la a ir até lá até nem me parecia impossível - pior seria ela estar lá envolta por tantos cães à espera da pica. Nem à Portela chegou. Assustou-se com a carrinha do pladur e lá se foi, de volta a casa. Tentámos também com um baraço, que resultou como da vez anterior - a cadela panicou e fui obrigado a desistir.

Fui a pé até junto do fontanário, onde já se juntava muito povo, à espera da veterinária. Um pouco mais acima, na eira do Incenso, mais povo se juntava. Acerquei-me da Fernanda, que também esperava a vez para o Alex e a Xeila. Outra velhota juntou-se a nós. Falávamos do envelhecimento da aldeia e dizia a velhota que 'abriu-se a escola nova e nem chegaram a ir para lá os raparigos, fechou logo'. Raparigos? É a Galiza de novo em Martim Tirado. Cadelos, raparigos. E mais há de haver.

O alvoroço era grande. O tio Adelino tinha problema semelhante. Como um dos cães (o pai da primeira ninhada da Fidalga) nunca foi habituado a trela, teve de levar o rebanho inteiro para junto da veterinária. Como eu não tinha um rebanho para atrair a Fidalga, pedi à veterinária para passar na Quinta e ver da cadela. Deu-lhe a vacina, o desparasitante e enfiou-lhe o chipe pele adentro. Agora a Fidalga é uma cadela oficial. E oficialmente minha.

Fidalguinha (sob o efeito de drogas)
(foto)

O empreiteiro apareceu depois do almoço. Como só trouxe um balde de massa, só fez o rodapé na casa de banho de cima. Amanhã experimenta-se a tinta de piscina. Hoje há muito pó, dos montadores e dos carpinteiros. Mais uma vez o mdf não chegou. Já percebi que as áreas que dei ao carpinteiro não correspondem à realidade mas quando se monta há tanto desperdício que acho que mesmo com áreas certas ia faltar mdf na mesma.

planeando
(foto)

Ao fim da tarde, enquanto fechava a casa do meu avô, atentei no armário da cozinha. Com jeitinho servia para a casa nova. É medir e ver. A Clementina e o marido andavam a regar melancias e melões. O ano é muito seco. O senhor Acácio veio dizer-me que não me podia ajudar a trazer a lenha do meu pinhal. Segundo ele, não há rodeiras. Assim sendo, ou carrego ao ombro ou faço uma rodeira. Não estou a ver como é que tiro a lenha de lá.

Na última semana uma coruja assomava-se a cada noitinha à casa, na Macieirinha, e por cá ficava noite. Identificava-se pelo piar, mas deixava-se ver, por vezes de forma provocatória, junto a um poste.

Uma das irmãs do meu avô morreu durante o fim de semana. De repente, a presença da coruja é o apanágio da morte. Ainda não a ouvi esta semana.

Nonagésimo sétimo dia - cadelo


De pé às seis e meia; na obra às sete e meia; vinte minutos depois chega o empreiteiro. Amanhã fazemos o chão, anunciei em tom triunfante ao empreiteiro. O chão das casas de banho, isto é. Chão de cimento revestido a tinta de piscinas. Algumas camadas, é tudo. Ronda de explicações. Uma quezília. Eu explico o que quero aos carpinteiros e eles arranjam maneira de o fazer. É assim que se faz. Bô bô bô. Tu pedes muito, isto não é assim como tu dizes, ó Nuno. Ó senhor Manuel, cada um sabe da sua arte. Eu digo ao carpinteiro e ele faz como eu quero. Eu não sou pedreiro, eu não sei como se faz. Digo-lhe o que quero e você arranja uma maneira. É assim ou não é?

o duche a ganhar forma
(foto)

Afinal, é. Tudo se resolveu. Não sabia como fazer o chão com o ralo e o sifão embutidos. Isto depois de, na semana passada, lhe ter mostrado os ralos e os sifões. Chamou-se o picheleiro. Para a vinda não ser em vão, arranjei-lhe mais tarefas. Tapar com grelhas os buracos da ventilação, mudar o tubo do saneamento da máquina de lavar a roupa, instalar a caixa do contador. Como nenhum dos fornecedores me arranjou uma caixa metálica, tivemos de optar por uma convencional, de plástico. Na última versão do plano, a caixa ficava embutida na parede, coisa que sempre odiei, e que ainda para mais implicava pedra partida e trabalhos extra. Imerso na dúvida, coloquei a caixa encostada à parede. Com um jeito de caixa do correio, coisa que nunca envergonhou nenhum muro. Com a ajuda de spray preto, pintei a tampa e a caixa interior de preto e pedi ao picheleiro para a fixar à parede.

cucu! sou uma caixa.
 (foto)

cucu! desapareci.
(foto)

Tudo isto com um calor que já se sentia às nove da manhã e só amainou depois do jantar.

As minhas noites na Macieirinha têm sido acompanhadas pelo deambular constante de uma coruja. Para os mais pacientes ela deixa-se ver, pousada nos postes de eletricidade a chamar pela fêmea (ou vice-versa). Gosto dela. É minha amiga.

Diz-me a senhora ao meu lado, eles moram sozinhos lá em cima, só com o gado e os cadelos. Quando uso palavras que aprendo na Galiza, é porque sou maluquinho. Ora eu uso-as exatamente por saber que, mais cedo ou mais tarde, as encontro em Portugal.

Quadragésimo quinto dia - dona sancha

dia-a-dia: é a loucura na obra

Hoje fui para Martim Tirado a pé e voltei para a Macieirinha de bicla, com temperaturas muito baixas. Acabei de desfazer o mito que diz que Portugal é um país muito frio para andar de bicicleta. Obrigado.

bué de montes

De resto, a obra segue. Enquanto eu não chegava, os homens começaram o forro. Ontem falaram-me que era necessária uma régua para rematar o forro nalgumas partes; como torci o nariz, hoje já tinha uma solução para mim. Gente competente.

senhor forro

no borralho manda o fogo

Depois do almoço, cravado à Alcina, o tio Silvério, cunhado do meu avô, fez o favor de seguir comigo ao pinhal para me mostrar quais os meus e quais os dos outros. Ficou quase tudo esclarecido. E ainda me achou uma sancha, que assei na lareira, com sal. Nham.

cuidado

é a loucura no monte

Quadragésimo quarto dia - Estrela

dia-a-dia: agora já ninguém goza comigo

Raio de frio. Frio frio frio. Frio de manhã, antes de acordar, à tarde, ontem à noite, ainda agora. Aliás, gelo no vidro do carro às nove da noite? É frio. Muito frio.

Ontem apercebi-me que ninguém sobrevive sem gás nem lenha por estas paragens. Na semana passada, que nem puto inteligente, comprei antecipadamente a botija de gás que me manteria vivo durante esta semana. Ontem cheguei achando que a botija me salvaria, mas nada, não encaixava, não encaixava. Talvez a cama, com lençóis novos, térmicos. Nada. Frio.

a asna, que claramente não é a mulher do asno

A meio da manhã, com tudo embalado na obra, fui a Lagoaça comprar pão. O pão é bom. Voltei à obra. Carpintaria a rolar. Excursão a Carviçais para comprar gás. De volta à Macieirinha, liguei a botija de gás. Já tenho gás para o banho. Achei-me mais inteligente do que antes e tentei pela quarta vez o aquecedor a gás. Nada. A válvula não dava. Um pouco esbaforido e totalmente desanimado, deitei um olho ao quarto do Quim, não fosse estar esquecida por lá alguma botija de água. Bingo. Achei-a e achei que tudo era possível, por isso avancei sobre a botija (de gás) para a quinta (sexta?) tentativa. E atinei com a válvula. É essa botija que neste momento me mantém vivo.

Os cachorros já abrem os olhos. Fiz questão que olhassem para mim, para perceberem quem manda. Sou eu. Os homens falavam de uma cena de porrada entre gajas, em Freixo. No borralho, o Amílcar e a Alcina discutiam casas-de-banho, aparentemente uma discussão que já dura há anos. Chegado o Luís, pedi-lhe e ao Amílcar que me acompanhassem ao meu pinhal. Já o sabia, mas difícil foi convencê-los. O monte é tanto que até um homem se assusta. Encontrámos marcos que eu tinha marcado com um spray na tentativa anterior, marcos com paus ao alto, outros tombados. Parte dos marcos são bem difíceis de achar. Prometi-lhes que ia marcar o meu terreno e limpá-lo.

o mais claro é o bilucas

tio Amílcar e tio Luís, monte acima

Ao chegarmos junto das casas, já o Luís ia longe, tentei fazer conversa. E este castanheiro, antigo, não? Este? Com esta largura, mais de cem anos terá. Olhe, vou contar-lhe uma coisa que se calhar não vai acreditar. Vê aquela serra, aquela última? E se eu lhe dissesse que aquela é a Serra da Estrela?

Vá dizendo, tio Amílcar. Vá dizendo que eu acredito em tudo.

a Serra da Estrela é já ali